Joana Jugan

Outubro às 3:22 pm | Publicado em generosidade, solidariedade, voluntariado | 1 Comentário
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O peditório
(1842-1852)

«Irmã Joana, substitua-nos! Peça em vez de nós!…». Assim pediam as boas velhinhas que tinham vivido muito tempo a pedir. Acentuavam, deste modo, a essência desta iniciativa do peditório que iria ocupar um lugar tão importante na vida de Joana. Ela própria iria tomar o lugar dos pobres, identificar-se com eles; ou melhor, guiada pelo Espírito de Jesus, ia reconhecer, entre eles a «sua própria carne» (Is. 58,7). A miséria deles, seria a sua própria miséria, o peditório deles, seria o seu próprio peditório.

Aliás, motivos de ordem prática levaram-na a fazer o peditório, ela própria. Se tivesse deixado que as boas mulheres (como eram gentilmente conhecidas) continuassem a andar pelas ruas da cidade, tê-las-ia exposto a muitas desgraças, sobretudo as que se entregavam à bebida. Pediu, então, delicadamente, a todas elas, que lhe dessem a morada dos seus benfeitores e fazia o peditório em vez delas. E explicava: «Desculpe, Senhor, a partir de agora já não será a velhinha que vinha habitualmente pedir, serei eu. Por favor, continue a ajudar-nos com a sua esmola». Repare-se neste «nos»…

Devido à sua maneira de ser, não lhe foi fácil tomar esta decisão. É certo que tinha visto, antigamente, em Cancale, as mulheres de marinheiros ajudarem-se mutuamente, pedindo esmola com dignidade, mas isso não bastava para a fazer entrar de coração alegre, na mendicidade.

Já velhinha, recordar-se-á ainda desta vitória sobre si-mesma que ela teve de alcançar muitas vezes: «Eu ia com o meu cesto pedir para os nossos pobres… Isto custava-me, mas fazia-o por Deus e pelos nossos queridos pobres.»
Ajudou-a nisso um Irmão de S. João de Deus, Claude-Marie Gandet. Os Irmãos tinham, nessa época, em Dinan, uma comunidade activa, zelosa e um hospital; desempenharam um papel importante no peditório de Joana. Aconteceu que, um dia, o Irmão Gandet foi ao «grand-en-bas» pedir esmola para o hospital. Encontrou Joana que ficou perplexa!

Compreenderam-se e ele ajudou-a a lançar-se deliberadamente no caminho do peditório. Para a ajudar, prometeu colaborar com ela e anunciar a sua visita a várias famílias onde ele havia de ir também. Diz-se mesmo que lhe ofereceu o seu primeiro cesto de esmolas.

Joana fez-se, portanto, mendiga. Pedia dinheiro, mas também géneros alimentícios: comida, restos de refeições ou sobras serão muitas vezes apreciados, objectos, fatos… «Ficar-lhe-ia muito reconhecida se pudesse dar-me uma colher de sal ou um pouco de manteiga… Precisávamos de uma caldeira para ferver a roupa… Um pouco de lã ou estopa, dava-nos muito jeito…». Nunca tinha receio de confessar a sua fé; se ia pedir madeira para fazer uma cama, muitas vezes, esclarecia: «Eu precisava de um pouco de madeira para aliviar um membro de Jesus Cristo.»

Nem sempre era bem acolhida. Um dia, quando andava a pedir, bateu à porta de um velho rico e avarento. Conseguiu convencê-lo e ele deu-lhe uma boa oferta. Joana voltou no dia seguinte mas, desta vez, ele zangou-se. Ela sorriu e disse: «Meu caro Senhor, as minhas pobres tinham fome ontem; têm fome hoje; e terão amanhã…». Ele tornou a dar e prometeu continuar.

Assim, com um sorriso, ela sabia convidar os ricos à reflexão e à descoberta das suas responsabilidades. Uma das suas frases ficou célebre. Um velho solteirão, irritado, deu-lhe uma bofetada. Ela respondeu: «Obrigada! Isto foi para mim. Agora dê-me alguma coisa para as minhas pobres, se faz favor!»

Joana ia muitas vezes pedir à Comissão de Beneficência da cidade e, nos primeiros tempos, tratavam-na como se fosse da casa; mas um dia, uma empregada tratou-a com aspereza e disse-lhe que tomasse o seu lugar. Quando era muito difícil, Joana encorajava-se a si própria. Dizia à companheira: «Caminhemos para Deus!» ou então, num dia de festa em S. Servan, com um dos tais meios-sorrisos que lhe eram familiares: «Hoje vamos fazer um bom peditório porque os nossos velhinhos tiveram um bom jantar. S. José deve estar contente por ver que os seus protegidos são bem tratados e vai abençoar-nos!»

Parece que a sua presença impressionava favoravelmente as pessoas, pois possuía uma espécie de encanto que agia sobre elas. Um homem que a conheceu bem, teve esta bonita expressão: «Ela tinha um tal dom da palavra, uma maneira tão agradável de pedir… Pedia, louvando a Deus, por assim dizer.»

Vivido assim, o peditório transfigurava-se. Teria podido provocar uma simples atitude de contribuição, de colaboração, pela qual os ricos ficariam com a consciência tranquila; mas Joana transformava-o numa evangelização que interpelava a consciência e convidava a uma mudança de vida.

Graças ao peditório, a acção da pequena comunidade pôde ser ampliada. Instalaram-se sem receio na «Casa da Cruz» e, no mês de Novembro de 1842, havia lá vinte e seis velhinhas, algumas das quais muito doentes. Isto exigia muito trabalho.

Madeleine Bourges veio juntar-se às associadas. Ela e Virgínia Trédaniel abandonaram o seu trabalho profissional para se dedicarem, totalmente, ao serviço das pessoas que tinham acolhido. Pouco depois, Maria Jamet fez o mesmo. Conta-se apenas com o peditório para assegurar a subsistência… e acabar de pagar a casa.

Um médico que tinha conhecido Joana no Hospital de Rosais, ficou contente por encontrá-la à frente da «Casa da Cruz» e aceitou tratar, gratuitamente, os pobres velhinhos e, até 1857, fê-lo com uma grande abnegação.
Deu-se um acontecimento importante durante o Inverno de 42-43: a entrada do primeiro velhinho. Tinham falado a Joana deste velho marinheiro que vivia doente e só numa cave húmida onde ela o encontrou num estado lamentável, em farrapos, deitado na palha apodrecida, extremamente cansado, esgotado. Movida pela mais viva compaixão, Joana foi contar o que tinha visto a um dos seus benfeitores e voltou pouco depois com uma camisa e roupa limpa. Lavou-o, mudou-lhe a roupa e levou-o para casa. Foi lá que ele recuperou as forças. Chamava-se Rodolfo Laisnê. Pouco depois, outros homens vieram juntar-se a ele. Às vezes, uma nova ajuda ou necessidades que surgiam, davam um novo impulso ou alargavam o peditório. Um dia, uma certa Mlle. Dubois ofereceu-se para acompanhar Joana no peditório pelos campos vizinhos. Era uma pessoa respeitada e conhecida que assim se comprometia, mendigando com Joana. A sua presença surpreendeu toda a gente e as bolsas abriram-se mais generosamente. Além do dinheiro, as pedintes receberam trigo, trigo mourisco, batatas e ainda linho, pano… E novas amizades se fizeram.

Fazia-se agora mais assiduamente o peditório das sobras. Às vezes, organizava-se um grande peditório de roupa. Criou-se o peditório dos mercados e também o dos navios, no porto de Saint-Malo. Com a compra da «Casa da Cruz», tinha sido contraída uma pesada dívida de vinte mil francos. Dois anos e meio mais tarde, em fins de 1844 e com sete anos de avanço, Joana tinha tudo pago. De vez em quando chegava um donativo inesperado. Foi o que aconteceu quando o sobrinho de uma vendedeira de peixe, de muito má fama, verificou o prodígio: acolhida na «Casa da Cruz», tinha-se tornado uma outra mulher, tinha reencontrado a sua dignidade. Encantado por isso, o generoso sobrinho legou sete mil francos à Casa; morreu pouco depois. Esta quantia chegou a tempo para pagar o telhado dum novo edifício cuja construção tinha sido iniciada, sem quaisquer reservas de dinheiro: apenas uma moeda de cinquenta cêntimos que puseram aos pés de uma estátua de Nossa Senhora. Todos se entregaram à obra. Uns deram pedras, outros cimento, outros transportavam gratuitamente os materiais, outros, ainda, davam horas de trabalho. As Irmãs trabalhavam com a pá ou com a colher de pedreiro; e para pagarem os três mil francos que faltavam, o Prémio Montyon chegou mesmo em boa altura.

Era um prémio atribuído todos os anos pela Academia Francesa a um francês pobre, autor da acção mais digna de mérito. Os amigos da casa insistiram junto de Joana que acabou por aceitar que o pedissem para ela. O presidente da Câmara de S. Servan e as personagens mais influentes da cidade enviaram um manifesto à Academia e, no dia 11 de Dezembro de 1845, diante de um ilustre auditório no qual figuravam Victor Hugo, Lamartine, Chateaubriand, Thiers e muitas outras celebridades, o Sr. Dupin, o mais velho, fez um vibrante elogio da humilde Joana, de que os jornais se fizeram eco. O discurso foi publicado. Joana apercebeu-se de que este discurso poderia ser-lhe muito útil. Para onde fosse pedir, levaria, como ela dizia, «a brochura da Academia», o que seria para ela uma recomendação eficaz. Utilizá-la-ia, de facto, no decurso dos seus peditórios em novas localidades: Dinan, Rennes, Tours, Angers e muitas outras cidades de França.

Durante dez anos, quase sem interrupções, de 1842 a 1852, Joana levou esta vida de mendiga. E nunca foi desiludida por Aquele em Quem tinha posto toda a sua confiança, Ante a admiração de todos, o número de velhinhos pobres aumentava sem cessar; eram bem tratados e felizes. Ampliava-se a casa e iam-se comprando outras… sem nada, sem recursos assegurados. Nenhuma outra explicação a não ser o incansável peditório de Joana, o esforço colectivo de toda uma cidade estimulada por ela e a sua fé no indefectível amor de Deus pelos seus pobres.

Segue: As irmãs dos pobres

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  1. Que grande exemplo principalmente para os dias de hoje.


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