Joana Jugan

Outubro às 3:09 pm | Publicado em generosidade, solidariedade, voluntariado | Deixe um comentário
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«Tirou-me a minha obra»
(1852-1856)

Analisemos, um pouco, o estranho percurso do abade Le Pailleur — que, na verdade, apenas se explica por uma falha subtil, mas sem dúvida profunda, na sua personalidade. Em 1843, tinha impedido a reeleição de Joana Jugan como superiora para confiar esta responsabilidade à sua filha espiritual, Maria Jamet. Nos anos seguintes, a sua influência sobre a obra tornou-se cada vez maior, enquanto Joana pedia, infatigavelmente, para as novas casas, trabalhava directamente na inauguração de outras duas, acorria para apoiar e salvar as que estavam prestes a acabar, garantia, com a sua presença e com o seu nome, o valor e o dinamismo das iniciativas tomadas para bem dos velhinhos desprotegidos.

Uma vez obtida a aprovação episcopal e conseguida a instalação da casa-mãe em Rennes, o abade Le Pailleur tomou uma decisão que ia modificar totalmente a existência de Joana: chamou-a para a casa-mãe. A partir de então, ela nunca mais teria contacto com os benfeitores, nem teria funções importantes na congregação; viveria escondida atrás das paredes de «La Piletière», ocupada em tarefas humildes.

Joana tinha pouco menos de 60 anos e estava em plena actividade, mas obedeceu humildemente. E aí ficou — em Rennes e, depois, em La Tour S. Joseph, em Saint-Pern sem responsabilidades, até à sua morte, quer dizer, durante vinte e sete anos.

Em «La Piletière» ela viverá na pequenez, e será a partir de então, a «Irmã Maria da Cruz». No interior da congregação quase nunca mais se empregou o seu nome de Joana Jugan. Mas lá fora, ele continuou vivo em quantas memórias!

Ao princípio, Joana foi encarregada de dirigir o trabalho manual das postulantes, muito numerosas: sessenta e quatro, em 1853.

Permanecerá para sempre a recordação da sua bondade, da sua doçura para com elas. Amou sempre as jovens e foi amada por elas. Não reivindicava nada, vivia plenamente o seu apagamento. Muito mais tarde, uma Irmã escreveu: «Nunca lhe ouvi dizer a mais pequena palavra que pudesse fazer supor que ela tinha sido a Primeira Superiora Geral.

Joana falava com tanto respeito, tanta deferência das nossas primeiras «boas Madres; (superioras) era tão modesta, tão respeitadora nas suas relações com elas…» Viu morrer, com 32 anos, uma das suas primeiras Irmãs, Virgínia Trédaniel. Terá sido esta morte ou o seu próprio sofrimento ou a recordação das primeiras provas da fundação, o que a levou a dizer um dia às postulantes: «Fomos enxertadas na Cruz».

Este enxerto estava bem vivo. A Igreja reconheceu-o como seu. No dia 9 de Julho de 1854, o Papa Pio IX aprovou a Congregação das «Irmãzinhas dos Pobres», o que constituiu uma profunda alegria para a fé de Joana.

Para se fazer reconhecer como fundador e superior geral deste novo Instituto, o Abade Le Pailleur tinha, pouco a pouco, deturpado a história da sua origem. Durante os 36 anos que se seguiram, as jovens, que entraram para a congregação, apenas aprenderam uma história falsificada, segundo a qual Joana aparecia como a terceira «Irmãzinha dos Pobres». O abade exigia provas de respeito absolutamente excessivas, exercia sobre a congregação uma autoridade total: tudo passava pelas suas mãos; todas as decisões eram tomadas por ele. Em tudo era necessário recorrer-se a ele.

Mas a surpresa e mesmo o escândalo, acabaram por ser conhecidos pelas autoridades. Procedeu-se a um inquérito por decisão da Santa Sé e, em 1890, o abade Le Pailleur foi destituído e chamado a Roma onde terminou os seus dias num convento.

Durante mais de 40 anos, Maria Jamet tinha-lhe sido docilmente submissa, pensando que estava a proceder bem. Mas fora frequentemente atormentada entre o que pensava ser o seu dever de obediência e o respeito pela verdade. Pouco antes de morrer, reconheceu: «Não sou eu a primeira Irmãzinha dos Pobres, nem a fundadora da obra. É Joana Jugan que é a primeira fundadora das «Irmãzinhas dos Pobres».

Joana vivera tudo isto com uma mistura de dor e de confiança; estava lúcida e não podia estar de acordo, mas a sua fé elevava-se acima destas manobras. Mantinha o coração bastante livre para poder dizer, de brincadeira, ao Abade Le Pailleur, o que pensava dele: «O Senhor Padre roubou-me a minha obra, mas eu cedo-lha de boa vontade!».

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Joana Jugan

Outubro às 3:04 pm | Publicado em generosidade, solidariedade, voluntariado | 1 Comentário
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Sem rendimentos fixos!
(1856-1865)

Na Primavera de 1856, a vida de Joana mudou de quadro: acompanhando o grupo das noviças e das postulantes, foi ocupar, com a casa-mãe, uma enorme propriedade adquirida a trinta e cinco quilómetros de Rennes: A «Tour Saint-Joseph», em Saint-Pern.

Continuou aí a sua existência oculta e as suas humildes tarefas. Ficou durante vários anos em companhia de duas noviças numa divisão chamada «chambre de la cloche» (quarto do sino). Continuava afastada de todas as responsabilidades e de todas as honras; embora nominalmente fizesse parte do conselho geral da congregação, nunca a chamavam para tomar parte nele.

Uma vez, contudo, uma única vez, convidaram-na a tomar parte numa deliberação; e ela foi, como o prova a sua assinatura. Foi no dia 19 de Junho de 1865.

Tratava-se de um problema grave para a vida da Instituição, de uma questão que punha em causa o essencial da vocação das Irmãzinhas: as exigências de pobreza da congregação. O desejo inicial era ser-se pobre com os pobres, estar-se inteiramente dependente da caridade, com eles. Tinham sido excluídas, portanto, todas as fontes fixas de rendimento. A única propriedade eram as casas de habitação que asseguravam a independência e a segurança dos pobres velhinhos.

Na realidade, nenhum texto definia com clareza esta opção. E, nos primeiros anos, a congregação aceitou algumas rendas fixas ou fundações, mas muito esporadicamente. Ora aconteceu que em 1865, um legado de 4000 francos, sob a forma de renda, coube, por herança à congregação. Uma vez mais a questão foi colocada: deveriam ou não aceitar esta oferta? Enquanto o conselho hesitava, um leigo amigo, que ajudava na gestão financeira, recordou o princípio: «Se as Irmãs me permitem que dê humildemente a minha opinião, acho que só deverão aceitar essa renda com a autorização de a transferir para que esse capital possa servir para pagar a vossa casa (de Paris). As Irmãs apenas devem possuir as casas que habitam e, quanto ao resto, devem viver da caridade quotidiana. Se as Irmãzinhas passassem a ter rendas, perderiam os direitos a essa caridade que fazia viver os israelitas no deserto; e se, algum dia, juntassem o maná, ele alterar-se-ia como aconteceu outrora ao Povo de DEUS.»

Esta observação era audaciosa: o capitalismo nascente florescia rapidamente, nasciam os grandes bancos franceses, era criado o livro de cheques; e a própria Condessa de Ségur escrevia a «Fortuna de Gaspar». Apenas se falava de lucro e o dinheiro era objecto de uma espécie de religião.

Mas as Irmãzinhas dos Pobres, sensíveis ao apelo que lhes fora dirigido, iam escolher a pobreza.

Pediram, primeiro, a opinião de vários bispos. O conselho geral reuniu-se. E foi então que se convocou a Irmã Maria da Cruz que ficou muito surpreendida e inquieta mesmo: «Eu apenas sou uma pobre mulher ignorante, que poderei eu dizer?» Insistiram. «Já que assim o desejais vou obedecer.» E foi, portanto, ao conselho onde exprimiu claramente a sua opinião. Deviam continuar a não aceitar rendas fixas, a depender da caridade. Foi esta orientação que foi adoptada. A circular enviada às outras casas dizia, sem ambiguidades: «A congregação não poderá possuir qualquer renda, qualquer rendimento fixo a título perpétuo» e, assim, «nós recusaremos todo o legado ou donativo consistindo em renda ou com a sobrecarga da instituição de camas ou de missas, ou mesmo de qualquer outra obrigação que exija a perpetuidade». E o Conselho escreveu ao «garde-des-sceaux» do Império — ministro da justiça e dos cultos — para lhe dar parte desta decisão. No ano seguinte, o governo tomou nota dela e, na mesma altura, da recusa do legado de 4000 francos.

Algum tempo depois, vemos Joana convidar as jovens Irmãs a rezar «para que não cedamos às instâncias dos que quereriam deixar-nos rendas».

Vemos assim que ela velava por meio da oração, por esta congregação que ela tinha feito nascer e pela opção da pobreza que a entregava ao Amor do Pai do Céu.

Sabedoria da Irmã Maria da Cruz
(1865-1879)

Os longos anos de «La Tour Saint-Joseph» não contêm muitos acontecimentos. Somente, de quando em quando, uma imagem: com o terço na mão, a Irmã Maria da Cruz «direita, apoiada numa bengala (…) percorria os prados e os bosques, agradecendo a Deus (…); quando via velhos amigos que tinham conhecido um pouco o princípio da obra (…) ela cantava o seu «Magnificai». Era verdadeiramente eloquente na sua simplicidade».

E ia desfiando, no decorrer dos dias, palavras de sabedoria, muitas vezes carregadas de imagens, outras vezes com certo espírito. Um dia, por exemplo, explicou às noviças como deveriam comportar-se quando alguém lhes dissesse coisas desagradáveis: «Devemos ser como um saco de lã que recebe a pedra sem ressoar…»

«Fazer penitência», o que é que isso quer dizer? Ela imagina um caso concreto: «Duas Irmãzinhas vão fazer o peditório; estão carregadas, à chuva e ao vento… estão todas encharcadas, etc. … Se aceitam estes incómodos generosamente, com submissão à vontade de Deus, fazem penitência.» Um dia, Joana chamou uma jovem Irmã para junto da janela aberta e mostrou-lhe os canteiros: «Vê estes operários que talham a pedra branca para a capela e como eles alindam essa pedra? Assim deve a Irmã deixar-se talhar por Nosso Senhor!»

A Irmã Clara corria num corredor. Joana fá-la parar: «A Irmã deixa alguém atrás de si!» A Irmã voltou-se intrigada: «Perdão, minha boa Irmãzinha, mas não vejo ninguém…» «Sim, sim, há Deus! Ele deixa-a correr à frente porque Nosso Senhor não andava tão depressa nem se afadigaria como a Irmãzinha!»

Os anos passavam. Por volta de 1870, Joana abandonou o “quarto do sino” para ir para o quarto da enfermaria que ocupou até à morte, em companhia de três outras irmãs.

«Joana vivia em presença de Deus e falava-nos sempre d’Ele», diz uma noviça desse tempo. Falar da oração, era-lhe familiar. Tinha frases engraçadas para limitar os caminhos da vida espiritual: «Temos de ser muito pequeninos diante de Deus. Quando fizerdes uma oração, começai por aí! Comportai-vos diante de Deus como uma rã pequenina.» Ou então, para as horas difíceis (e vemos aí, sem dúvida, uma espécie de confidência): «Ide procurá-Lo quando estiverdes prestes a perder a paciência e as forças, quando vos sentirdes sós e impotentes; Jesus espera-vos na Capela, dizei-LHE: «Vós bem sabeis o que se passa, meu bom Jesus! Só vós sabeis tudo e eu não tenho senão a Vós! Vinde em meu auxílio!» E, depois, ide, e não vos inquieteis em saber como podereis fazer; basta que o tenhais dito a Deus, pois Ele tem boa memória.»

A propósito de oração, ela convidava também à discrição na recitação das fórmulas. Quando rezava com as noviças, insistia, muitas vezes, «para que mais tarde velemos para não multiplicar estas orações de devoção: Cansaríeis os vossos velhinhos, dizia ela, e eles aborrecer-se-iam e sairiam para fumar… mesmo durante o terço!» Ela gostava, assim, de pôr as jovens ao corrente da sua experiência, ao serviço das pessoas idosas. «Minhas filhas, é preciso estarmos sempre bem dispostas; os nossos velhinhos não gostam de caras tristes!» Quando falava dos pobres, «o seu coração transbordava… «Minhas queridas filhas», dizia ela, «amemos muito Deus e os nossos velhinhos, porque são os porta-vozes de Deus».

Joana dava às Irmãs conselhos muito simples, mas cheios de sabedoria: «Não devemos recear o esforço que é preciso para cozinhar ou para tratar dos velhinhos quando estão doentes, como não há que recear ser como uma mãe para os que são gratos e para os que não sabem reconhecer tudo o que fazeis por eles. Dizei mesmo para convosco: «É por Vós, meu Jesus!» «Olhai o Pobre com compaixão e Jesus olhar-vos-á com bondade, no vosso último dia…»

E voltava a falar do peditório, com muita frequência: «Não tenhais medo de vos sacrificar e de mendigar como eu o fiz pelos pobres, pois eles são os membros doentes de Nosso Senhor.» Joana agira sempre com reflexão e bem sabia quanto isso é importante. «Minhas filhas, é preciso rezar e reflectir antes de agir. Foi o que eu fiz toda a vida. Pesava todas as minhas palavras.» Ela, que falou tão pouco dela própria, deu-nos um dos seus segredos.

Um outro segredo é o amor da pequenez: «Sede pequeninas, pequeninas! Se vos tornásseis grandes e orgulhosas, a congregação cairia! Só os humildes agradam a Deus.» Aos 80 anos, conservava ainda um porte enérgico. Uma jovem senhora inglesa descreveu-a, então, desta maneira: «Andando com um passo firme com uma mão apoiada no ombro de uma jovem Irmã e a outra numa sólida bengala, tão direita e tão alegre pelas formosas avenidas. O que mais nos impressionou foi a grande doçura do seu sorriso…»

Às vezes, com as noviças, comentava, sorrindo, uma leitura. Tratava-se das santas lágrimas. Mandou fechar o livro e disse às Irmãs «há quem tenha, talvez, dificuldade em perceber isto e que diga: «Eu cá não posso chorar…» Eu também não quereria estar sempre a chorar… Não se preocupem com as santas lágrimas! Não é preciso derramá-las, nem molhar os olhos. Mas fazer um sacrifício de boa vontade, receber uma reprimenda em silêncio, isso conta como santas lágrimas. Tenho a certeza de que, assim, já chorastes, hoje, várias vezes…» Sabedoria, equilíbrio, benevo­lência, tudo isto foi Joana Jugan!

Pouco a pouco, Joana ia perdendo a vista; as suas pálpebras paralisaram. Nos últimos anos da sua existência, estava quase cega e dizia: «Quando fordes velhas, já não vereis nada. Eu já só vejo Deus»; ou então: «Deus vê-me e isso basta-me!» Este facto não a impedia de ser alegre, de contar histórias divertidas, recordações engraçadas. Contava, por exemplo, como é que, um dia, um coelho saltara do seu cesto e como é que uns rapazinhos o apanharam na sua corrida; ela deu-lhes dez cêntimos como prémio pelo esforço.

Num dia de Páscoa, Joana aproximou-se de um grupo de Irmãs que ensaiavam cânticos. «Vamos, minhas filhas, cantemos a glória do Nosso Jesus ressuscitado!» E com os braços começou a marcar o ritmo, cantando o Aleluia com tal entusiasmo que parecia querer deixar o seu velho corpo para seguir o seu Jesus!»

Que vivacidade, que juventude! Vivia numa acção de graças contínua: «Em tudo, por toda a parte, em todas as circunstâncias eu repito: Bendito seja Deus!»

Gostou sempre de cantar, mesmo até ao fim da vida; canções ou um género de lenga-lenga que talvez tivessem sido com postas por ela: «O pobre chama-nos / Com a voz e com o coração / Oh! A Boa-Nova / Partamos com alegria!»

Ou então uma outra:

«Mostrai-vos sempre gentis / Não recuseis nada / / Para humildes pedintes de pão / está sempre tudo bem!», ou ainda: «Oh! Jesus / Rei dos Eleitos / Quem Vos amará mais?» Parecia que a união profunda e simples, que ela vivia cada vez mais com Deus, à medida que a idade ia avançando, tinha libertado nela toda a alegria.

Segue: Da morte à vida

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